Duplu | 1º Dia
Começou com uma actuação de 1 hora de Pure. O meu azar é que é muito fácil fazer piadas sobre estas secas a que já me habituei. Há disto em todo o lado: nas apresentações que acontecem no final de cada ano de Desenho Gráfico, nas peças de dança contemporânea ou de teatro, nas performances de alunos de escultura e pintura, num lançamento de uma nova edição Crónica, até dentro do meu frigorífico... Decididamente, a música dele não tinha um carácter experimental. Apesar disso há quem se convença disso e de muito mais: "Pure comes from the world of techno, where his beats became more and more abstract and in the meantime even elusive. A wonderful example of his bleak sound fantasies (fed from his work in techno, industrial, musique concrete and ambient) is his last CD, "Noonbugs" (mego)..." blá blá blá... O que é que isso interessa quando houve quem no final do concerto fosse a correr para casa tomar uma Migra Aspirina. Em frente. Seguiu-se (Donacha Costello na sua vertente Avant-Garde) Modul. O homem é realmente camaleónico. Pela Force Inc disfarça-se de Sistol com tiras de Kit Clayton, pela Minimise muda para uns tons mais Pop Up (50% Modernist + 50% Antonelli), pale Raster-Noton adopta uma indumentária Noto (visual e acusticamente). Enfim, um tipo perspicaz e talentoso capaz de fazer sombra a qualquer um que toque na mesma noite.
Depois vieram os Producers. Confesso que não sou grande fã de experimentalismos que não tenham sentido didáctico, mas o concerto deles diparou para direcções que me fazem admitir que ali há muitos apontamentos de considerável importância. Não são os pormenores "glicth" em si, nem os sons com excesso de volume per si. Não são só as amostras de ultra-sons, assim como não são os lugares de Hana Bi nem os "kicks" variados. Tudo junto funciona e a sensação final é que estive perante uma das combinações de sons e de estruturas mais bizarras que vi nos últimos anos.
Parece-me que aquele é um dos verdadeiros sentidos da experimentação sonora. Os Producers têm com eles a cicatriz deixada pela geração deles e têm a mais bela das inocências de quem vive uma elegante vontade de continuar a criar com sentido autocrítico e humor.
Abraços.
Depois vieram os Producers. Confesso que não sou grande fã de experimentalismos que não tenham sentido didáctico, mas o concerto deles diparou para direcções que me fazem admitir que ali há muitos apontamentos de considerável importância. Não são os pormenores "glicth" em si, nem os sons com excesso de volume per si. Não são só as amostras de ultra-sons, assim como não são os lugares de Hana Bi nem os "kicks" variados. Tudo junto funciona e a sensação final é que estive perante uma das combinações de sons e de estruturas mais bizarras que vi nos últimos anos.
Parece-me que aquele é um dos verdadeiros sentidos da experimentação sonora. Os Producers têm com eles a cicatriz deixada pela geração deles e têm a mais bela das inocências de quem vive uma elegante vontade de continuar a criar com sentido autocrítico e humor.
Abraços.
4 Comments:
Quanto às secas estamos de acordo, só não entendo em que é que Modul foi melhor que Pure. Para mim, o problema não está em maior ou menor experimentalismo (antes de mais temos de nos entender sobre o uso de certas palavras), na maior ou menor percentagem disto ou daquilo, mas apenas no equívoco deste formato para um concerto daquilo a que se tem convencionado chamar música electrónica. Ver um tipo entrar, sentar-se em frente ao computador e mexer os pulsos e alguns dedos durante mais de uma hora não é das experiências mais estimulantes que podemos imaginar. Além disso, parece-me tudo demasiado convencional (desde a postura aos adereços) e fica-se sempre sem perceber porque é que não temos em alternativa apenas um palco vazio. Esta música não suporta a relação tradicional entre o público e a caixa negra de um palco.
Também fiquei um pouco enfadada com Pure e confesso que prefiro ouvi-lo em casa, sem o desconforto de estar sentada no anfiteatro da FBAUP. Mas gostei ainda menos de Modul e do seu lado camaleónico (que não é mais do que um piscar de olho ao público mais incauto). Querem tentar explicar-me o que faziam aquelas indigentes imagens (o MAX utilizado na sua maior banalidade) por detrás do homem? Serviam para alguma coisa no contexto do concerto para além de tentarem quebrar monotonamente a monotonia da caixa-palco que estava à nossa frente? E, finalmente, será que os elogios para o concerto de Modul se ficam a dever àquilo que alguém me dizia no final do concerto: "Este é o tipo de música ideal para passar aqui nas Belas Artes; é suficientemente experimental sem ser demasiado difícil." Acho que isto pode explicar muita coisa...
Não fiquei para os Producers (?!)e por isso não comento o final.
Anna K.
P.S. Mesmo sem a nota relativa às apresentações de Desenho Gráfico, era fácil de perceber que se trata de um(a) aluno(a) de Design. O tom (apenas) ligeiramente sobranceiro em relação às coisas mais banais do mundo, o tipo de linguagem e as inevitáveis referências fashion e superficiais não enganam ninguém... Mas essa condição (estudante de Design) também revela algumas qualidades...
Conversa de café para Anna K.:
No que toca à utilização das palavras, para mim música experimental é todo o acto de ensaio sonoro, seja com objectivos de exploração de novos territórios, objectivos comprovativos como resposta a uma formulação de uma hipótese, ou mesmo com intenções lúdicas. Este termo faz sentido quando gerado pela atitude do músico. Isto é: a música é experimental quando o sujeito autor testa o meio com que produz música e/ou os processos com que a faz. Para mim, nunca o teste à reacção do público tem a haver com o conceito de música experimental. Pode ser uma actuação que vai testar os limites da percepção auditiva, nada mais e já basta. Pure fez isso com monotonia. Ele já sabia o que é que aquilo ia dar, que som ia sair...
Quanto a Modul, ele está na ponta da lança. Pop à frentex: respectivamente: pelas estruturas rítmicas e harmónicas mais convencionais e pelas sonoridades cirúrgicamente criadas. De experimental não vi nada senão na última actuação e ainda bem.
Mudando de assunto, a alternativa "palco vazio" não me parece a melhor. A presença do autor ou intérprete é essencial para manter a condição de espectáculo que está vinculada à ideia de concerto. Além disso esta ideia já foi feita (de outro modo) há muitos anos atrás durante as primeiras experiências com meios de propagação de som por fios. Qualquer coisa como música por telefone. Hoje em dia também temos os concertos transmitidos via rádio que não precisam de substituição porque também não há grandes esperanças de que as audiências para emissões FM aumentem nos próximos anos.
Aproveito para dizer que a componente visual de Modul comparada com a de Pure, foi mais apelativa, e aí reside uma das razões para o meu elogio à prestação do segundo.
Um aparte para o termo que me parece passível de ser considerado "fashion": a única expressão modix que utilizei naquele "post" foi a palvra "glitch", que deves conhecer dos primeiros "flyers" Club Kitten a daí a tua análise. "Glitch" é um termo inglês utilizado para descrever uma pequena avaria do "hardware" ou "software". Hoje em dia relaciona-se no campo da música com as tendências pós-digitais que ao contrário de movimentos musicais anteriores como o Downtempo (que recorria sistematicamente a simulações de instrumentos acústicos) se aproveita das incapacidades de reproduzir um som natural inatas à máquina. Fica aqui um breve agradecimento ao Eduardo pela rápida explicação que me deu sobre este assunto há 6 meses no Belas e outro para ti, Anna K., pelo cavalheirismo do elogio final.
Mais um café (com o joão)
Eu não sei se os concertos de 5ª feira merecem tanto esforço da nossa parte, mas ainda assim aqui vão mais uma notas:
a) Em relação à noção de experimentalismo, o que eu quis dizer é que a maior parte das vezes a palavra é utilizada esvaziada de qualquer sentido; isto é, diz-se que é experimental tudo aquilo que implica procurar uma resposta para a formulação de uma hipótese, "mesmo com intenções lúdicas". Ora, experimentar é tudo menos tentar chegar ao resultado pretendido, é antes tentar sucessivamente para falhar melhor, um pouco como o Beckett de "Pioravante Marche". Passo a explicar. Não se experimenta para obter a confirmação de uma hipótese, não se experimenta para verificar um cálculo de probabilidades; experimenta-se para no meio de uma aparente rotina ver surgir o abismo luminoso de um acontecimento inesperado (uma espécie de acidente provocado). E isso foi o que nos ensinou toda a arte dita experimental... Mas há arte fora desta noção de experimentação?
É verdade que toda a experimentação é lúdica, mas não como entertainment. É lúdica no sentido em que é um jogo, mas um jogo sem regras. Um pouco como as crianças que jogam não para atingir um objectivo mas apenas para desafiarem os limites do próprio jogo, inventando as regras a cada novo lance. E, mais uma vez, é por isso que experimentar não é confirmar uma hipótese. Convém é não confundir experimentação com ruptura, porque se as vanguardas nos ensinaram alguma coisa foi definitivamente o esgotamento desse modelo de ruptura e transgressão associado ao acto de experimentar ("There is no pure land...")...
b) Quanto à monotonia do concerto de Pure, parece-me que estamos de acordo. Julgo é que esse é o maior risco de grande parte da música electrónica actual (especialmente se dissociada de uma pista de dança ou de qualquer substância catalizadora da actividade neuronal). Sou uma observadora atenta desses territórios e vou ficando convencida de que há um nivelamento entendiante nas propostas sonoras que vão aparecendo. Existem, com certeza, honrosas excepções, mas nos últimos tempos tenho-me visto grega para encontrar alguma coisa capaz de me provocar um clic... Às vezes ponho-me a pensar sobre as razões desse fenómeno e imagino que a coisa se poderá ficar a dever aos processos niveladores usados para a produção desses sons — pelo lado das ferramentas de trabalho que se tendem a normalizar e pelo lado de um conjunto de regras que parececem ser tacitamente aceites pela maior parte dos músicos.
c) A minha referência ao palco vazio era meramente retórica. O que eu queria dizer é que talvez fosse melhor repensar a ausência de uma estratégia performativa nos concertos daquela natureza e que dadas as circunstãncias a actuação se tornou perfeitamente extéril. Não basta reflectir sobre as alterações que os territórios da electrónica e do digital trouxeram ao modo de produzir música. é preciso reinventar também os modelos clássicos de relação entre o público e o performer.
d) "Aproveito para dizer que a componente visual de Modul comparada com a de Pure, foi mais apelativa, e aí reside uma das razões para o meu elogio à prestação do segundo." — Pois é, quando eu disse fashion estava a referir-me exactamente a este tipo de comentário, e ao vazio de um apelo epidérmico ao público (chamei-lhe "piscar de olho"). Não se pode querer sempre tudo no mesmo saco...
e) Era um elogio digno de uma dama mas um pouco venenoso :-)
Anna K.
Anna K,
sem ironias nem prepotências (até porque pelo que dizes deves conhecer muitos dos próximos nomes) isto funciona mais como uma minha lista de compras.
Oito possíveis "clics" afastados das pistas:
Sistol e Uusitalo (Vladislav Delay), Carsten Jost, Byetone (Olaf Bender), Terre Thaemlitz, Mokira, Errorsmith.
Oito possíveis "clics" próximos das pistas:
Modernista 90 (The Modernist), A Antiga Música da Meteorologia da Euronews, Micronauts, O-Zone, Ian Pooley pela Intense (se conseguires encontrar nalgum lado), As Novas Slammin Ragga RMXs do Kid606 pela série Very Friendly, Popacid (se conseguires encontrar nalgum lado).
Com os melhores cumprimentos.
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