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segunda-feira, janeiro 24, 2005

Bater com a cabeça nas mesmas teclas! O Olhar de um Físico

Propriedade intelectual é propriedade privada?


A "propriedade intelectual" começou por não existir. Até ao Renascimento parece ter havido livre curso de ideias, de textos e de conhecimentos técnicos. Os poetas e os músicos não só se copiavam como tal forma de emulação era considerada virtuosa. Os alvarás e privilégios que a Coroa concedia eram privilégios de monopólio que garantiam a viabilidade ou encorajavam o empreendimento, mas o que estava em causa era a actividade e não o método. Mas o curso iria mudar.


Em Inglaterra, em 1624, a Lei do Monopólio (Monopoly Act) permitia a atribuição de monopólios com o fim de criar receitas para a Coroa; após renogociação com o parlamento, esse benefício ficou restrito a invenções. Em 1709, a Lei de Autor (Copyright Act), mais precisa e restrita, visava o estímulo da Cultura, conferindo aos autores e compradores o direito às cópias de seus livros por tempo determinado. Em 1787, a constituição dos EUA consagrava as patentes de inventos e os direitos de reprodução como instrumentos para a promoção do progresso da Ciência e das Artes Liberais. Em França, nos anos da Revolução Francesa confrontaram-se argumentos a favor e contra o "direito natural" à propriedade intelectual; e foi nessa França revolucionária que se proclamou o princípio legal do direito de autor (leis de 19 de Janeiro de 1791 e de 19 de Julho de 1793), reconhecendo-o como propriedade. Na Alemanha, as patentes foram protegidas por força de lei de 1877, como desfecho do confronto entre juristas (vencedores) e economistas (derrotados). Em 1886, as principais potências europeias reuniram os seus embaixadores em Berna para elaborarem os fundamentos de uma União Internacional, adoptando uma lei básica, geral e uniforme, para a protecção das obras artísticas, literárias e científicas, a Convenção Internacional de Berna, que seria actualizada em 1911 e 1976. Outros instrumentos importantes são a Convenção Universal sobre Direito de Autor (UNESCO; Paris - 1971) e o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio - TRIPS (Marraquexe - 1994). [www.wto.org/english/tratop_e/trips_e/t_agm0_e.htm]


"Propriedade intelectual" adquiriu ultimamente renovada proeminência no discurso oficial. O âmbito da sua aplicabilidade é vasta e o conceito não deve ser simplificado e muito menos abordado segundo figurino único. Mas a verdade é que a sua utilização em termos oficiais se confinou à propriedade ou à apropriação privada de conhecimento para o transformar sobretudo numa mercadoria e num negócio. Isso veio a acontecer na medida em que o registo de patente de invenções ou de direito de publicação de obras foi largamente transgredido, a ponto de as patentes e os direitos terem passado a abranger objectos ou métodos que são património comum, natural (como códigos genéticos) ou humano (como conhecimentos empíricos ou racionais e mesmo processos mentais) e as patentes se terem tornado em títulos transaccionáveis que alimentam quer as indústrias estabelecidas quer, agora também, a "carteira de valores" de um vigorosamente emergente sector especializado neste negócio.


O United States Patent and Trademark Office (USPTO), o Gabinete Japonês de Patentes (JPO) e o European Patent Office (EPO) são três importantes organismos no mundo dos negócios com crescente importância nas políticas económicas. A Conferência Trilateral entre Patent Offices, em Junho de 2000, e o Acordo TRIPS no âmbito da Organização Mundial do Comércio, em Abril de 1994, documentam a importância conferida à propriedade intelectual no presente estágio de organização do sistema capitalista mundial.


Gabinetes de patentes abrem por todo o lado, e o registo e o comércio de direitos de propriedade intelectual tornou-se em negócio graúdo. O mais importante não é o conteúdo, a sua originalidade e a sua viabilidade técnica e comercial, o que importa sobretudo é possuir um título de registo que possa ser objecto de negócio.


Depois de identificados os títulos comerciáveis e avaliado o seu potencial valor, uma rede de agentes (intellectual-property brokers, consolidators, business builders) entra em acção e reúne esforços para concretizar negócios de licenciamento de direitos e de troca de activos entre empresas. Os brockers avaliam tecnicamente as patentes para ajuizarem quanto os compradores estarão dispostos a pagar por elas e depois procuram clientes. Os consolidators seleccionam e adquirem propriedade intelectual de várias origens e reúnem-na em "pacotes" que possam ser utilizados no lançamento de novas empresas ou ser vendidos a clientes estratégicos. Trata-se de um nicho de negócios em rápida expansão, ocupado por pequenas empresas cujo volume anual de receitas atingiu já US$ 100 mil milhões nos EUA.


Se é muito interessante observar o processo de apropriação privada e mercantilização da propriedade intelectual por parte dos poderes económicos, é igualmente interessante observar a reacção e luta em sentido contrário, por parte da população informada e, particularmente, de investigadores e associações de base profissional. Um domínio que podemos escolher para examinar é o dos programas (apoiados em códigos e estruturas) que operam os computadores para as mais variadas finalidades. Por um lado, observamos forças actuando pela imposição do patenteamento automático e estrito desses programas, e portanto a sua detenção privada. Por outro, observamos forças defendendo cívica e tecnicamente a universalidade do acesso a esses programas, incluindo os seus códigos e estruturas; daí os conceitos de software livre e de códigos abertos. [www.free-soft.org/; www.stallman.org/]


Patentes sobre as tecnologias da informação vêm colocando novos problemas numa sociedade mais problemática. Assim, patentes de software vão ao ponto de proteger uma única linha de comando de execução que determinado um certo passo de programação; no extremo oposto, vão ao ponto de proteger métodos gerais de realizar uma função (condicionando uma qualquer forma particular de a alcançar). Um e outro tipo de patente desencadearam uma escalada de guerra entre grandes empresas e reduziram o espaço de manobra de pequenas empresas mesmo que sejam verdadeiramente inovadoras; o que está em jogo é o confronto entre o poder económico parasitário e o potencial da criação técnica.


Em Outubro de 2003, a US Federal Trade Commission questionava abertamente a exagerada proliferação de patentes, reflectindo os resultados de consultas públicas efectuadas, segundo os quais as patentes em software e Internet estão a atrasar a inovação. Também a US National Academy of Sciences, instituição profissional de cientistas que aconselha o governo, exprime preocupações semelhantes e anunciou a publicação de um relatório sobre este assunto para 2004. [www.washingtonpost.com/ac2/wp-dyn/A54548-2003Dec10?language=printer]


Estes antecedentes e este termo de referência fazem-nos questionar o que será, de facto, a "sociedade do conhecimento" que a União Europeia anuncia ser ou querer vir a ser, justamente em "competição" com os demais pólos do capitalismo mundial. A aferição do desempenho económico de um e de outro lado do Atlântico evoca frequentemente os números de registos de patentes e o seu fluxo. Este é, também, um domínio em que a União Europeia diz querer emular os EUA.


Em 1973, representantes dos governos europeus reunidos em Munique delinearam uma Convenção Europeia de Patentes (EPC) e as bases de um Registo de Patentes Europeu (EPO). Programas para computador, aplicadas à execução de cálculo ou ao comando de máquinas, regras mentais e algoritmos matemáticos foram considerados não patenteáveis. A orientação normativa e a prática judicial subsequente confirmaram esse princípio. Porém, a partir de meados da década de 1980, recorrendo à reinterpretação teleológica da legislação redigida em 1973, esse conteúdo começou a ser desvirtuado por tribunais nacionais e mesmo pelos juízes do EPO.


Em 1997 a Comissão Europeia viu necessidade de avançar com um "Livro Verde" que fundamentasse uma proposta de alteração à Convenção Europeia, particularmente no que tocava à legislação aplicável ao software. Mas em Setembro de 2003, o Parlamento Europeu apreciou a proposta legislativa e introduziu-lhe numerosas alterações, de facto pronunciando-se pela manutenção da exclusão de software como objecto patenteável.


O Conselho de Ministros, pressionado por algumas grandes corporações, deu-se por inconformado, e mandou elaborar um "livro branco" com contra-propostas para que a matéria seja reexaminada pelo Parlamento. Aí se defende nomeadamente que algoritmos matemáticos e métodos de gestão atribuídos pelo EPO (contra a letra e espírito da lei em vigor) sejam automaticamente invenções patenteáveis; que o uso de protocolos patenteados e de formatos de ficheiros para fins de inter-operacionalidade são ilegais; como ilegal a publicação em linguagem formal num servidor da Internet da descrição de uma ideia patenteada; etc. Este "livro branco" e a insistência junto do Parlamente testemunham bem a força dos grandes interesses económicos e as grandes pressões que exercem sobre os órgãos de governo da União. [http://swpat.ffii.org/news/04/cons0408/index.en.html] A ser aprovado, o texto do Conselho conduzirá a uma situação em que grandes empresas, detentoras de volumosas pastas de patentes, as utilizarão para monopolizarem os respectivos mercados e excluírem as pequenas empresas inovadoras; e em que empresas não produtivas, meramente detentoras de pastas de patentes, arrecadarão grossos proveitos no negócio da "propriedade intelectual", mediante a caça e a colecta de licenças de uso de patentes por terceiros.


«Portugal, uma nação em que nenhum dos cidadãos tem nenhuma das 30.000 patentes de software atribuídas pelo EPO até ao Verão de 2003, formou um "consenso nacional" a favor das patentes de software e da proposta de directiva. Este consenso foi atingido através de uma consulta conduzida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em 2001. Nessa altura o INPI enviou uma carta a favor das patentes de software para 19 directores de empresas e recebeu 3 respostas. Todas aplaudem o ponto de vista do INPI. No Verão de 2003 a eurodeputada Ilda Figueiredo organizou um encontro que mostrou um largo consenso de empresas portuguesas de software contra as patentes de software. Impressionado por tal facto, a representante do INPI prometeu "reabrir a consulta pública".»
[http://swpat.ffii.org/gasnu/pt/index.pt.html]


O seguidismo da actuação do INPI está conforme com o facto de Portugal estar em último lugar na escala de países que na União Europeia (EU-15) produzem e registam patentes no EPO. Facto que, por sua vez, documenta (como causa e como efeito) a baixíssima produtividade do capital investido em Portugal. O que, todavia, não necessitava de chegar ao ponto de levar o governo português a defender uma política masoquista, segundo a qual os portugueses deveriam ser comparativamente ainda mais prejudicados, ao obrigarem-se a pagar propriedade intelectual de terceiros em matéria de software.


Publicado por Rui Namorado Rosa em http://www.janelanaweb.com/digitais/rui_rosa37.html

sexta-feira, janeiro 07, 2005

Não mais permitirei gestões de silêncio que não me convenham.

Penetração

A origem do mundo agora é outra. Sobram palavras por usar. Quando se quer construir um romance, escolhem-se algumas referências - de preferências nossas - e mete-se tudo num saco para tirar tudo aos salpicos. O tédio dessas coisas obriga a que se passe a chamar Romance Despasmos. Já é assim há décadas. Mudaram-se as fontes, secaram as antigas. Reviraram-se um, dois, três Courbets, doze Lautréamonts, sete Jarry's, algumas metades de Vaché e Rigaut's. E aí continuam mais um, dois, três mil flagelos escancarados, fustigados em litros de sangue de desperdício. (Ainda poucas origens conseguiram vencer as vitórias da samotrácia). Não há nada melhor do que fazer lembrar os gáudios dos Césares. Várias mesinhas ordenadinhas, tudo em lascivez, vistas regaladas no serviço de luxo, glande em riste para ordenhar as vaquinhas oferecidas pela Presidência, tudo em ordem muito bem mandadinha para simplificar as coisas. Mas nem só a esmola faz o mendigo, nem nunca é tarde para se chegar atrasado. O tamboril não é para os pobres, só a guerra. Guerra é guerra, deixem a fome apertar, e verão: continuam as mesas postas para os reis. O couro e cabelo saem sempre dos mesmos.

Mas a linguagem vem do fogo. A linguagem - e a respectiva língua - apresenta-se aí para ser julgada e comentada, em exposição de sol a sol. É a única que impede crucificar a experiência pelos movimentos acéfalos de contracção dos comportamentos. Normalmente, são só enxertos mal semeados, o bombástico de plástico, que é mais barato. A linguagem pertence ao estomâgo e às vísceras. E, por isso, não a considerem intratável (ou a quem a use) ou sem futuro. Porque é ela é, em essência, incómoda, e dona da felicidade pública, e ensinada pela prática. Como as ruas, não são apenas um direito de passagem, são um direito de permanência. Dificilmente quereremos um glamour teórico, ou um descanso na sombra das palavras. Falar para leitores especializados não é instrução, é pedantismo. O currículo que nos apresenta não chega para nos dar algum tipo de reputação. A envolvência que nos provoca escava mais do que contrói, e não há ócio inútil que não seja proveitoso. Não há cultura, só o que se pode fazer com ela. A linguagem é uma das suas ferramentas: um formão de estilhaços. Lentamente, poderemos adaptar-nos selectivamente à nossa própria cultura, rejeitando as idiotices da Cultura-Mãe.

Historicamente, a fórmula surrealista de “Escreva depressa sem assunto prévio!” foi humilhada por um determinismo imaginário exagerado, “a voz surrealista que fala do alto”, que falhava no acto prático e autónomo da linguagem. A “linguagem dos desejos” esquecia-se que era na vida, e não nos sonhos, que as palavras deveriam fazer mais sentido. Poucas vezes a sinceridade terá feito tanto sentido como a falta de organização dadaísta na história, sem confiscação autoritária, mas com sentido prático criativo: não avisando o que ia fazer, mas aparecendo. Se a linguagem vale por uma prática, e vice-versa, ela tem esse garante de renovação constante, e bloqueará poderes exteriores de recuperação do seu velho sentido, desviando qualquer intentona de criação dos passatempos vulgares. O modelo é a vida imprevisível.

Ainda não se chegou à conclusão que os burocratas ignoram que existe esse meio de comunicação chamado linguagem. Eles só admitem a linguagem enquanto instrumento de mentira, embuste periódico de massas. Mas a Querela não é periódica, é constante. Da sua persistência, vão surgindo edições, que aqui e ali mapeiam um discurso orientado pela imprevisibilidade. Por isso mesmo, estaremos mais interessados às cartas que não nos forem dirigidas. Estamos bem avisados. A ilegalidade não está naquilo que se pode fazer com ela, mas sim fora dela. Não nos coibimos de tentar alcançar aquele a quem a sociedade atribui mais perigo, o indivíduo de pensamento livre. A ditadura da tecnologia conseguiu revelar, para seu próprio bem, que a linguagem deveria ser reduzida nas suas possibilidades, preferindo o resumo à expansão, a forma sucinta à forma expressiva, a previsibilidade à espontaneidade, abrindo campo à fácil verificação de todas as significações, inclusive as espontâneas.

A informatização é o exemplo extremo de como os signos podem ser maneáveis segundo o seu próprio código: a aceitação passiva das suas potencialidades, porque existem, não deve permitir nunca que a conjugação de vários utensílios, palavras, significados e linguagens, possam apenas resultar em fórmulas opacas, mas definir a transparência da inversão e da subversão. A sua linguagem está, à partida, corrompida na fonte, que esgota pela previsibilidade. A base da linguagem autónoma é a espontaneidade, e a espontaneidade é apenas e somente um momento único, que não cabe em nenhuma organização. A linguagem autónoma evita as categorias e a lei, ao ponto de querer ser terrorismo poético. A história confirma-o. “A arte como crime, o crime como arte.”(hakim bey, zona autónoma temporária). Mas na vontade furiosa de destruir, está também a vontade megalómana de construir melhor, voltar os mitos contra os mitos, os heróis contra os heróis, a hegemonia contra hegemonia, a propriedade contra a propriedade.

Podia-se facilmente verificar a falência da poesia e da linguagem oficial através da falência real dos órgãos que tentam gerir as suas diplomáticas leis de propriedade e a sua imagem na vitrina - a falência anunciada da Sociedade Portuguesa de Autores. Enquanto isso, a linguagem vai destruindo mais do que aquilo que constrói, assim como a sua época. Demonstra-o a história secreta da poesia. Uma tradução real deste facto, sendo possível racionalmente, é sempre difícil. A História já mostrou vários exemplos, mas apenas mostrou. A negação, enquanto despojamento, terá sempre mais realidade do que qualquer transladação realizada pela história. “O cenário determina as atitudes”, avisavam os letristas nos recônditos anos cinquenta, onde a história ainda não se lembrava de visitar. A poesia futura terá a sorte de cumprir desejos sem obedecer a outros destinos que não os traçados pela sua própria autonomia. Os postulados da fatalidade foram retirados ao homem por ele mesmo: essa acção permite-lhe agora mais, e outras acções, enquanto força considerável. As escolhas da autonomia podem ter mais peso do que as decisões de muitos: os desejos e as vontades são agora reconhecidos apenas e só pelos indivíduos autónomos. Já não são necessários os “solidários” desígnios dos deuses, mitos e poderes. Agora sabemos tratar bem de nós.

Posted by ampulheta no caminho a bruto.