sexta-feira, junho 17, 2005

Um Verde da Bandeira.

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""O seu olhar era oblíquo à passagem das raparigas / mas era um para o outro que sorriam." Estes versos foram escritos por Eugénio de Andrade, poeta que nos deixou mais pobres esta semana. Pobres porque ficamos privados do seu convívio (o homem foi a enterrar, os poemas, esses, ficam) e pobres também porque, num momento em que nos surgem notícias de casos graves de homofobia em Viseu, ele foi dos poucos poetas assumidamente homossexuais que na sua escrita enobreceram uma "orientação dos afectos", para usar as palavras de Mário Cláudio, que muitos no nosso país ainda pretendem apresentar como coisa sórdida. Fê-lo com a elegância que acima se constata e com uma grande lucidez. Poeta do corpo (e do espírito, acrescenta Agustina Bessa Luís, sua amiga) e do amor, nunca ele se referiu a este como um amor diferenciado, vergonhoso ou escondido. Podemos amar de maneiras diversas, mas o sentimento é o mesmo. É isso que não compreendem os preconceituosos e os que se orgulham da sua estupidez. Saibamos curvar-nos perante a memória de Eugénio e este ensinamento.
A propósito de preconceito, foi esta semana igualmente que ocorreu o arrastão na praia de Carcavelos de que tanto se tem falado. O infeliz acontecimento gerou uma onda de xenofobia pelo País que contraria a ideia que pudéssemos ter de que os últimos 30 anos tinham diluído o racismo entre nós. Mantinha-se, afinal, e foi-lhe dada ocasião para se exprimir - por alguma razão, aliás, os imigrantes africanos e seus filhos, já nascidos em Portugal, foram marginalizados e guetizados pela sociedade portuguesa e pelo próprio Estado. Podemos ser cada vez mais cosmopolitas, mas o preconceito relativamente à cor da pele mantém-se. Nenhum acto criminoso tem desculpa, é óbvio, e o que motivou os 500 jovens envolvidos a fazerem o que fizeram foi também o racismo. É preciso, no entanto, termos consciência de que os roubos e as agressões foram feitos por aqueles a quem ignoramos, recusamos trabalho ou empregamos apenas naquilo que não queremos fazer, colocamos em bairros degradados e obrigamos, na prática, a uma vida fora da lei e abaixo da dignidade humana. Os media fizeram o resto, com os exemplos dos gangs americanos e dos ataques nas areias de Copacabana. Como ouvimos alguém comentar, fomos nós os primeiros a invadir as praias natais deles. Acorrentámo-los e enfiámo-los em navios negreiros como escravos, submetêmo-los aos nossos desígnios colonialistas de expansão territorial e lançámos napalm sobre as suas aldeias. Esta foi a resposta."

E-mail enviado pela Anana, 17 de Junho de 2005

Bem haja sempre a quem distinga o trigo do joio.